Eu nem dormia na noite anterior! O dia 1 de Novembro era, para as
crianças da aldeia onde nasci, o seu feriado preferido. A minha avó cosia todos
os anos dois novos sacos para o Pão por Deus, bordados à mão, porque só
um não chegava. Quando o primeiro enchia, corríamos para nossas casas para o despejar e buscar o segundo. O meu pai ficava à porta à minha espera para que
eu não perdesse tempo. Na noite anterior a minha mãe comprava as línguas de
gato, os figos secos, os rebuçados e os beijinhos, de longe os meus bolos
preferidos. Lambia a parte de cima dos beijinhos, aquela massa amarela, ou rosa
ou azul de açúcar e deixava para comer depois a bolacha estaladiça ou nunca as
comia porque o que eu gostava mesmo era do açúcar, tal como todas as crianças.
No dia 1 de Novembro saíamos bem cedo, em grupos ou até sozinhos, porque nesse
dia estava tudo na rua e ninguém se importava. Os mais novos iam aos colos das
mães e assim apresentavam-se à aldeia" olha, tão grande que ele
está" ou" que rico menino". Nas casas mais pobres, que as havia,
recebíamos fruta e nas mesmo muito pobres não íamos, porque toda a gente da aldeia sabia da vida de toda a gente. E fazíamos
fila para as casas que compravam os mini chocolates, tão raros na altura! Uma
vez recebi uns smarties e senti-me no céu. Mas o Pão por Deus também era a
forma de os meninos e meninas pobres da minha aldeia terem, durante dias e dias,
doces e algum dinheiro (porque havia quem desse dinheiro) que no resto do
ano lhes era vedado. Quem nunca viveu o feriado de Todos os Santos (de longe o mais
democrático para os Santos), e a magia do Pão por Deus, nunca entenderá que as
bruxas e os diabos dos americanos são uma forma de Carnaval pobre fora de tempo.
E que a magia do Pão por Deus basta por si para tornar o dia mais feliz de tantos
meninos e meninas. E que matou a fome de algumas famílias pobres, que nesta
altura do ano tinham em casa a abundância que lhes faltava o resto do ano.
Talvez seja pouco, mas em tempos de crises que vivemos, isto tudo parece-me tão
tanto....
Ó tia,
dá Pão-por-Deus?
Se o não tem Dê-lho Deus!
Provérbio popular
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