sexta-feira, 3 de julho de 2015

Salvar ou matar Fidípedes?



Não gosto de correr e até há bem pouco tempo não sabia explicar porquê. Metade dos meu amigos e conhecidos corre e participa em maratonas, e quase que me fazem sentir culpada de não ter o mínimo prazer ou interesse em aderir à nova religião chamada jogging. O que deixa toda a gente perplexa: mas como é possível que não gostes de correr, de te superar, de atingir objectivos pessoais etc, etc, num rol de frases e ideias feitas sem fim. E como é possível que  eu não “ambicione” correr uma maratona, a prova das provas, a rainha das rainhas. Explico calmamente que estou farta de maratonas, que desde há quatro anos que sinto que estou a viver dentro de uma maratona e o prémio nem sequer é muito estimulante. 

Esta maratona que tem como prémio encher os cofres e reduzir a dívida pública com a ironia de que, quando começamos a correr há quatro anos a esta parte, a dívida pública estava cerca de 90%  e agora está nos 128,7% do PIB.  E quando eu pergunto se podemos parar porque a meta está cada vez mais longe, respondem-me que o que importa é a corrida e o resultado final. Pois eu já estou cansada. Creio que é tempo de parar de correr e avançar pelas caminhadas. É tempo passear pelo nosso bairro, pela nossa vila ou aldeia e olhar atentamente. Quando passeio calmamente pelo meu bairro fico feliz quando vejo o café aberto, revoltada quando vejo tabuletas de casas penhoradas pelos bancos, angustiada quando vejo a solidão e a pobreza dos cidadãos seniores a contar dinheiro da sua parca reforma para os medicamentos que não conseguem pagar e derrotada quando percebo que a vidraria, a papelaria ou a livraria da rua fechou. É como se os anos de investimento no desenvolvimento local, na formação de adultos, na educação secundária e universitária, no parque habitacional, na indústria, tivessem sido varridos do mapa porque os ultramaratonistas têm de passar. 

E pergunto-me: quando um maratonista cai, tem um percalço, como reagem os seus camaradas: Será que o ajudam a levantar ou o que importa é o objectivo final? Numa corrida com 19 participantes a que chamemos, por exemplo, euro grupo, se um dos participantes cai, como reagem os outros maratonistas? Têm compaixão pela dor e pelo esforço do seu colega ou simplesmente deixam-no cair? Percebem que um deles cair e ninguém o ajudar, o próximo a cair também terá o mesmo destino ou o que importa é a meta e o pódio e, quem sabe, uma medalha de bom corredor? 

Curioso com a Europa se esquece e tantas vezes da sua própria história. Curioso como um terrível e infeliz século XX com duas guerras mundiais não foi suficiente para perceber que a força da Europa é a sua coesão e que, quando esta não funciona, o rumo da história não nos soa promissor. Hoje Hellas, também conhecida por  Grécia, desistiu de correr. Olhou para a sua própria história e escolheu salvar Fidípides, um mensageiro do exército de Atenas, que teria corrido cerca de 40 km entre o campo de batalha de Maratona até Atenas para avisar aos cidadãos da cidade da vitória dos exércitos atenienses contra os persas e morrido de exaustão A Grécia percebeu que o valor da vida é impagável, que a mensagem não é mais importante que a vida dos seus cidadãos. Ao salvar Fidípedes, Hellas recusou-se a beber a cicuta, a mesma cicuta que matou Sócrates porque falava de democracia aos seus concidadãos. Ao propor um referendo, a Grécia mais uma vez mostrou-nos que a democracia é causa pela qual vale a pena lutar e que a Europa é a cidade-Estado de todos nós, portugueses, irlandeses, alemães, franceses, espanhois. Porque nós somos atenienses e gregos e cidadãos do mundo.