Não gosto de correr e até há bem
pouco tempo não sabia explicar porquê. Metade dos meu amigos e conhecidos corre
e participa em maratonas, e quase que me fazem sentir culpada de não ter o
mínimo prazer ou interesse em aderir à nova religião chamada jogging. O que deixa toda a gente
perplexa: mas como é possível que não gostes de correr, de te superar, de
atingir objectivos pessoais etc, etc, num rol de frases e ideias feitas sem fim.
E como é possível que eu não “ambicione”
correr uma maratona, a prova das provas,
a rainha das rainhas. Explico calmamente que estou farta de maratonas, que
desde há quatro anos que sinto que estou a viver dentro de uma maratona e o
prémio nem sequer é muito estimulante.
Esta maratona que tem como prémio
encher os cofres e reduzir a dívida pública com a ironia de que, quando
começamos a correr há quatro anos a esta parte, a dívida pública estava cerca
de 90% e agora está nos 128,7% do PIB. E quando eu pergunto se podemos parar porque a
meta está cada vez mais longe, respondem-me que o que importa é a corrida e o
resultado final. Pois eu já estou cansada. Creio que é tempo de parar de correr
e avançar pelas caminhadas. É tempo passear pelo nosso bairro, pela nossa vila
ou aldeia e olhar atentamente. Quando passeio calmamente pelo meu bairro fico
feliz quando vejo o café aberto, revoltada quando vejo tabuletas de casas
penhoradas pelos bancos, angustiada quando vejo a solidão e a pobreza dos cidadãos
seniores a contar dinheiro da sua parca reforma para os medicamentos que não
conseguem pagar e derrotada quando percebo que a vidraria, a papelaria ou a
livraria da rua fechou. É como se os anos de investimento no desenvolvimento
local, na formação de adultos, na educação secundária e universitária, no
parque habitacional, na indústria, tivessem sido varridos do mapa porque os
ultramaratonistas têm de passar.
E pergunto-me: quando um
maratonista cai, tem um percalço, como reagem os seus camaradas: Será que o
ajudam a levantar ou o que importa é o objectivo final? Numa corrida com 19
participantes a que chamemos, por exemplo, euro grupo, se um dos participantes
cai, como reagem os outros maratonistas? Têm compaixão pela dor e pelo esforço
do seu colega ou simplesmente deixam-no cair? Percebem que um deles cair e
ninguém o ajudar, o próximo a cair também terá o mesmo destino ou o que importa
é a meta e o pódio e, quem sabe, uma medalha de bom corredor?
Curioso com a Europa se esquece e
tantas vezes da sua própria história. Curioso como um terrível e infeliz século
XX com duas guerras mundiais não foi suficiente para perceber que a força da
Europa é a sua coesão e que, quando esta não funciona, o rumo da história não
nos soa promissor. Hoje Hellas, também conhecida por Grécia, desistiu de correr. Olhou para a sua
própria história e escolheu salvar Fidípides,
um mensageiro do exército de Atenas, que teria corrido cerca de 40 km entre o campo de
batalha de Maratona até Atenas para avisar aos cidadãos da
cidade da vitória dos exércitos atenienses contra os persas e morrido de exaustão A Grécia percebeu
que o valor da vida é impagável, que a mensagem não é mais importante que a
vida dos seus cidadãos. Ao salvar Fidípedes, Hellas recusou-se a beber a cicuta,
a mesma cicuta que matou Sócrates porque falava de democracia aos seus
concidadãos. Ao propor um referendo, a Grécia mais uma vez mostrou-nos que a
democracia é causa pela qual vale a pena lutar e que a Europa é a cidade-Estado
de todos nós, portugueses, irlandeses, alemães, franceses, espanhois. Porque nós
somos atenienses e gregos e cidadãos do mundo.