Parece mentira mas não é. A revista "Análise
Social" foi retirada de circulação porque um dos artigos, sobre graffiti, continha imagens impróprias para um grande grupo comercial, que começa por P e D. Esse grupo comercial é um dos financiadores do ICS e, para não criar atritos com o sponsor, o ICS retirou todo o número de circulação. Atentado à liberdade, censura, ataque à liberdade de imprensa, tudo o que lhe quiserem chamar. A censura de volta 40 anos depois do 25 de abril. Porque as ditaduras não são só políticas, também são económicas.Transcrevo na íntegra o texto de tomada de posição do Ricardo Campos
(autor do ensaio visual "A Luta Voltou ao Muro")sobre a decisão
do diretor do ICS em retirar de circulação o último nº de "Análise
Social".
"Aqueles que me conhecem sabem que não tenho por hábito
fazer comentários e colocar posts no facebook. Todavia fui arrastado
para uma situação completamente inesperada e que assumiu proporções que
merecem um comentário da minha parte.
Como é do conhecimento
público, um ensaio visual que submeti à revista Análise Social foi alvo
de censura por parte do director do Instituto de Ciências Sociais, tendo
sido retirado de circulação. Aproveito para agradecer a solidariedade e
as palavras de apreço de muitos colegas que consideram este tipo de
atitudes inaceitável numa academia que devia preservar a liberdade de
pensamento, a reflexão intelectual e o debate sem preconceitos.
Aproveito, ainda, para agradecer a posição assumida pelo conselho
editorial da revista, que demonstrou honestidade intelectual e rigor na
forma como geriu toda a situação.
Como é natural recebi esta notícia
com imensa surpresa e com algum choque. Surpresa, desde logo, porque
não houve qualquer resistência anterior à publicação do meu ensaio
visual. Foi por isso, com naturalidade, que recebi a informação de que a
minha contribuição iria ser publicada no mais recente número da
revista.
Surpresa, também, pelas razões invocadas que não focam
qualquer questão de natureza científica ou ética que debilite, quer o
argumento apresentado, quer a validade do mesmo. Tenho pesquisado ao
longo da última década as questões da arte urbana, do graffiti e dos
murais. Publiquei em diversas revistas nacionais e internacionais sem
que, até aqui, alguma vez o conteúdo das imagens que apresentei tivesse
sido alvo de qualquer juízo estético ou de valor. O que sempre esteve em
causa foi o potencial ou pertinência analítica das ilustrações
fotográficas. Nunca, por isso, me recusaram a publicação ou fizeram
qualquer tipo de censura sobre o conteúdo imagético das fotografias.
As imagens que apresentei existem na rua e estão disponíveis ao olhar
de qualquer transeunte. Considero que estas constituem uma expressão
cultural e política singular, enquadrada num determinado contexto
histórico e foram consideradas enquanto tal. São, obviamente,
manifestações de indignação, de revolta e angústia, que alguns entendem
ser de gosto duvidoso. A mim interessam-me as considerações de ordem
científica que decorrem de uma análise da rua enquanto espaço de
manifestação política, independentemente do choque que estas formas
expressivas possam eventualmente causar. Aliás, enquanto cientista
social, não me parece que existam objectos (ou imagens) de pesquisa
menos dignos que outros. Mal estaríamos se começássemos a
autocensurar-nos, tendo em conta critérios de bom gosto na aferição da
forma como as pessoas se expressam e comunicam. Se censurássemos todo e
qualquer objecto de estudo que pudesse ferir as susceptibilidades do
público ou dos poderes instituídos (políticos, económicos,
religiosos...) muitos fenómenos sociais ficariam fora dos nossos
olhares.
Lamento, que o ICS tenha optado por uma situação que, a meu
ver, em nada beneficia a imagem da revista e que considero pouco
respeitosa para com um colega de academia que cumpriu todas as
exigências éticas e científicas que devem reger a nossa conduta.
Que
este episódio sirva, também, para repensarmos não só o nosso papel
enquanto cientistas sociais, mas também para questionarmos o estado
actual das instituições académicas e dos critérios que regem a “gestão”
dos seus conteúdos".
Ricardo Campos