terça-feira, 13 de janeiro de 2015

"Charlie, estavas a pedi-las!"



Dia 7, 8 e 9 de Janeiro todos fomos Charlie. Incomodados, chocados, o Mundo ficou perplexo com o atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo e o ataque frontal à liberdade de expressão. E dia 11 o Mundo saiu à rua com " Eu sou Charlie", porque todos somos a favor da liberdade de expressão sem limites. Ora isso foi até dia 11, porque dia 13 já somos a favor da liberdade de expressão desde que não ofenda ninguém. Porque a minha liberdade acaba onde começa a do outro. Porque afinal brincar com Maomé já não tem graça agora, agora já é demais e respeitinho é bonito e eu gosto. Ou como disse hoje Ana Gomes no twitter,  que brincar novamente com o profeta quando se sabe que muçulmanos não estão de acordo não estão de acordo (os 600 milhões de muçulmanos não estão de acordo? Terá a Ana Gomes falado com todos eles e fez a média de sins e nãos?), nem em pensar. Não em nome dela. Mas em meu nome sim. Porque a minha liberdade não pode ser menor do que a do outro. Explicando: como ateu não me ofendo com a religião e não me importo que me condenem ao Inferno. O outro tem toda a liberdade de brincar com o meu laicismo, de me condenar pelo meu laicismo, de me julgar pelas minhas atitudes. Mas eu não posso brincar com crenças, com Jesus e Maomé nem Alá porque ofende os outros. Não posso dizer que Maomé fiz xixi nas cuecas ou Jesus não limpou o rabo porque me torna uma herege. Ora, eu sou uma herege e é essa a minha liberdade. Mas se a minha liberdade termina onde começa a do outros, não posso brincar com Deuses, com livros religiosos, com as diferentes culturas, com touradas, com circos, com os vegetarianos nem com os carnívoros. Não posso brincar com noivos e noivas, com baptizados, com jantares estúpidos e festas idiotas porque tudo ofende alguém. E não posso falar muito alto sobre a violência doméstica porque " se ele ouve ainda é pior", nem posso falar sobre o tratamento dado a minorias étnicas " porque muito já têm eles e depois ainda é pior", não posso falar mal dos padres " porque estamos na Igreja", nem posso falar mal da minha vizinha que vê tudo o que é programa estúpido " porque me estou a armar". E por isso a minha liberdade não é nenhuma. Mas os que se incomodam e ofendem têm todas as liberdades. E eu fico sem nenhuma porque para mim a liberdade  não tem restrições, excepto as previstas na lei. Quando se ultrapassa a liberdade, sofrem-se as consequências legais: difamação é um crime, comportamentos xenófobos é um crime, e todos os crimes têm enquadramento legal. Porque a minha liberdade é a democracia, a religião que os homens construíram sem deuses, nem livros divinos, mas pelo homem e para o homem. E eu sou Charlie.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Uma injustiça Queirosiana.


“Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris.”


Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre.


Gosto muito de Eça de Queiroz. Agrada-me o seu “dandismo”, a visão desempoeirada da sociedade portuguesa e descrição das mais variadas virtudes da nossa portugalidade. Mas não gosto nada da frase acima. Talvez (só talvez) no século XIX esta frase fosse verdadeira, mas actualmente não o é. Em Portugal emigram os mais rijos, os menos rijos, os mais energéticos e os menos energéticos. Emigram os licenciados e os que só têm o quarto ano de escolaridade, emigram os doutorados e os analfabetos, emigra quem pode para escapar à precaridade e em muitos casos à miséria. Esta ideia de que ficam cá os que podem, os que se “orientam”, também é de uma enorme injustiça. Ficam por cá os que querem, os que ainda arriscam, mas também aqueles que desejam ficar e viver neste país que é o seu. E desejar ficar e trabalhar cá não deveria ser a excepção, mas a regra.