domingo, 31 de março de 2013

Não fazer nada..

Esta Páscoa deu-me para não fazer nada. Nem li, nem vi muita televisão, nem escrevi, nem me dediquei à tese desse mestrado cada vez mais longínquo da vontade e cada vez mais próximo da data de entrega. Não me apeteceu fazer nada. E cheguei a domingo e apercebi-me: "Aiii, não fiz nada!Três dias e nada". Claro que  me senti mal e inútil. Estou pouco habituada a não fazer nada e nem gosto de ser preguiçosa. Em casa dos meus pais havia sempre coisas para fazer, nada fazer não era opção.
Mas a verdade é que até me soube bem.Não posso dizer que tive tempo para mim, porque não usei nada em meu proveito. Mas não fiz nada porque não quis, sem dramas e sem mágoas.
Não fazer nada é muito diferente de não ter vontade para nada. Não fazer nada por vontade é uma opção, muito ou pouco respeitável,  que depende de cada um de nós e da nossa perspectiva. Não ter vontade para nada, isso já é grave. Porque existe essa doença chamada depressão, que não se resume a " esquece isso", "não estás boa da cabeça", "vai dar uma volta que isso passa-te", etc...
A depressão, ou  os "problemas de cabeça" como os velhos se referem à doença,não é caso de pouca preocupação, nem de conversas de café ou de conversas entre amigos. É uma doença que precisa de ajuda própria, que não cabe em lugares comuns, que não se resolve com boas intenções nem com reuniões de amigos. Quando a mágoa é grande,fica escondida.
Por isso, enquanto não me apetecer fazer nada e depois me sentir culpada, está tudo bem. Quando não tiver vontade para nada, aí é outra história.Cabe-nos estar atentos e perceber essa grande diferença e saber que, por muito boa vontade que tenhamos de ajudar alguém, a depressão é uma doença que não vai lá com falinhas mansas e boas intenções. A depressão é uma doença que precisa de tratamento médico e ajuda especializada.
Mas hoje o meu caso é de pura preguiça. Ter escrito este texto já é sinal de melhoras!
E, vou aproveitar esta letargia e pensar como Pessoa, esse mestre do hedonismo:

"Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.(...)"


Fernando Pessoa, Liberdade.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Portugal.

Está a chover há uma semana  e estamos todos fartos de chuva. As redes sociais só falam  da chuva e de como era simpático se o sol aparecesse.  Porque o sol tem o hábito de aparecer por cá, neste país de que estamos sempre a dizer mal e a comparar com os  países "civilizados": Alemanha, Suécia, Finlândia,  esses "outros" onde todos gostávamos de viver porque são "maravilhosos", porque "lá" tudo funciona não é como "cá".
E, de facto, este país caminha a passos largos para o abismo, um abismo tão profundo que quando de lá sairmos vamos ser tão poucos que nem sei se ainda  existe e se é o mesmo país outrora chamado de Portucale.
Mas quando chove, todos  os portugueses esperam e desesperam pelo sol, e poucos se lembram de que nesses países "civilizados" o tempo é de uma tristeza infinita e que a vida tem um ritmo soturno, com hábitos de vida interiores, onde a chuva é constante e o sol um bem tão raro que quando aparece é festejado como  se de uma divindade se tratasse.
Pode não ser muito, mas ter este tempo é uma benção que só damos conta quando não pára de chover, quando os nossos hábitos se alteram, quando vivemos "à Sueco", "à Alemão" ou "à Finlandês".
E lembro-me sempre da minha história quando depois de ter perdido um voo na Finlândia de regresso a Portugal, e de ter sentido na pele as saudades de tudo o que é caos, trânsito e comentários típicos portugueses, e mesmo assim  refilar porque em Portugal nada funcionava, um português me disse: "o que é triste é que nós podemos ter tudo o que eles têm e eles nunca terão o tempo que nós temos."
E tão verdade que doí. Doí não termos os políticos que nos levam à prosperidade, doí-nos esta subserviência moral aos países "civilizados", doí-nos e destrói-e-nos este tão pouco quando podíamos ser tão mais. Porque nós podemos ter tudo, eles nunca terão um clima ameno, um sol que nos banha a costa e o nosso café.
Por isso, e até ser obrigada a partir para os tais  países civilizados, digo como Dino Meira, que vale mais um mês aqui que um ano inteiro lá. E acrescento que vale mais a vida aqui, que a prosperidade  toda de lá.











quinta-feira, 21 de março de 2013

O que é que eu visto em Abril?


Detesto o mês de Abril por uma razão muito prática: nunca sei o que hei-de vestir. Começa a ficar um tempo mais agradável, mas ainda não se pode usar alças. As camisolas até podem saber bem, mas já nem conseguimos olhar para elas. A roupa de inverno é mais escura e apetece-nos usar coisas mais claras. As botas já  começam a ficar quentes nos pés e ainda está muito frio para sandálias.
O sol brilha diretamente na minha cara branca e com olheiras. Se puser muita base já se nota, se sair assim para a rua sou a prima direita do fantasminha.
As lojas apresentam a nova coleção, a minha carteira apresenta-me revolta e ingratidão.  Reciclar já deu, não vai dar mais. O casaco preto já é cinzento, o branco já é creme.
Ainda não consigo me enfiar no 38 (pois é, não desisti da dieta), o 38 ri-se da perspectiva de colocar um biquíni  Há poucas coisas que me dão pesadelos, suores frios e angústia,  mas usar um biquíni é uma delas.
O mundo fica mais bonito, mas eu fico mais feia.
Odeio Abril, odeio-me em Abril. Podemos passar já para Agosto onde ficamos todos morenos, saudáveis e aparentemente felizes?
Creio que não, por isso vou dedicar um poema a Abril, na esperança que me ouça e me dê coisas boas, que de más já basta o Gaspar.

Abril.

Abril  de mágoas mil
Não tragas águas,
Não sejas viril.

Abril abençoado
Traz-me festas,
Já chega de fado.

Abril do meu coração,
Traz-me vestidos
E um novo roupão.

Abril endiabrado,
Traz-me dinheiro
E um namorado!

E é tudo por hoje! Beijinhos.










domingo, 17 de março de 2013

Precisamos de falar sobre o Kevin.

Vi um filme que não me sai da cabeça," We need to talk about Kevin". Tradução portuguesa à letra: "Precisamos de falar sobre o Kevin". Não é minha intenção avaliar o filme nem o desempenho dos actores, que é extraordinário. O que eu pretendo é que todos nós debatemos este tema polémico: a possibilidade de os nossos filhos serem absolutamente horríveis e nós nos apercebermos e nada podermos fazer.
Quando se fala de parentalidade e de filhos, o discurso é sempre o mesmo: que é a melhor coisa do mundo, que ser mãe ou pai é uma felicidade sem fim, que as noites sem dormir valem a pena porque o sorriso dos filhos compensa tudo. Muito bem, discurso absorvido. Agora vamos falar sem máscaras e sem tabus.
E se não gostarmos dos nossos filhos? E se só tivemos filhos porque o marido ou a mulher quis? E se os nossos filhos nos odiarem? E se um deles violar o outro? E se houver incesto? E se o nosso filho for um violador? Um assassino? E se os nossos filhos forem mesmo uns monstros?
Será que podemos falar sobre isto sem tabus, nem frases feitas e sem apregoar a imensa felicidade que esta nossa sociedade nos impõe e nos esmaga?
O que fazer quando o nosso filho viola a vizinha? Continuamos a gostar dele da mesma maneira?
O que fazer quando o nosso filho é alguém que adora maltratar os outros? A quem recorremos para falar?
O que fazer quando o nosso filho mata alguém? Perdoamos ou viramos as costas?
E se eu não gostar do meu filho?
Gostava de uma conversa franca com alguém sobre estas questões e eu nem sequer sou mãe. Mas sempre me afligiram as verdades escondidas, sempre vi mães que preferem claramente um filho em detrimento de outro, sempre me apercebi de pais que têm dúvidas mas não têm ninguém com quem falar.
Tenho receio de não gostar de um filho meu. Isso faz de mim uma má pessoa ou uma pessoa consciente?
A nossa mania da felicidade está a deixar-me muito inquieta e infeliz. E percebo o medo de alguém que tem um filho que não é nada boa pessoa: com quem vai falar que não o condene pela educação, ou que diga que é só uma fase, ou que não lhe espete que os filhos precisam é de carinho e amor? Ninguém, não vai falar com ninguém.
A cultura da felicidade condena-nos ao isolamento e à artificialidade. Falar dos filhos sem ser com imensurável orgulho e felicidade está a calar-nos e a tornar tabu coisas de que deveríamos todos falar.
E no meio de tudo isto ninguém fala sobre o Kevin. E nós, como sociedade precisamos de começar a falar sobre o Kevin. Antes que seja tarde demais.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Aplicações urgentes para a espécie humana!

A natureza, ou Deus ou as Energias, o que desejarem( preencham a gosto) até pode ser perfeita, mas a sua perfeição não se adequa ao meu Mundo. Estou farta de ter pêlos, de acordar com o cabelo absolutamente estranho, de não conseguir ser esquelética e boazona como a Gisele Bunchen entre outras coisas mais.
Já sei que me vão dizer que tudo isto é secundário, que as crianças em África passam fome, que a beleza é uma tirana que não devíamos respeitar. Tudo muito bem até vestirmos o primeiro bikini e ter de ouvir daquelas pessoas que dizem que tudo é lindo e maravilhoso: "oh, estás mais gordinha.". Ou então experimentem ir para a praia sem fazer a depilação: alguém chamava a polícia, no mínimo!
Esta coisa da moda e da actualização da natureza humana não anda par a par. Apetecia-me ter uma aplicação para o século XXI onde se escolhesse: sem pêlos, sem pneus, cabelo perfeito. E sem olheiras. E sem unhas a lascar.
A natureza humana ainda não arranjou aplicações que nos façam ter uma beleza instantânea, tipo as aplicação para as fotos no Instagram. E isso é o mais importante: uma aplicação para mudar a cor do cabelo, uma aplicação para retocar as bochechas, etc. Isto tudo na vida do dia a dia, não no face. Um Fotoshop real, é disso que todas as mulheres precisam.
Alguém pode mandar um SMS às Energias, às Naturezas, ao Criador, seja a quem for,para fazer umas  aplicações actuais para a espécie humana? 
Ficávamos todos muito agradecidos!





segunda-feira, 11 de março de 2013

Conta-me uma história....


Adoro uma boa história. Seja num filme, num livro ou na vida. Adoro uma boa história e, se bem contada, é um dos melhores prazeres da vida. Uma história não tem de ser necessariamente verdadeira nem necessariamente falsa, tem apenas de ser boa.
E o que é uma boa história? É aquela que nos entretém. Aquela que nos provoca emoções, que nos faz rir ou chorar, aquela que nos faz pensar nela muitas e muitas vezes.
Adoro pessoas que têm histórias ou capacidade de contar bem as suas histórias. E é um hábito que se vai perdendo. Ainda há 50 anos, percorriam as aldeias deste país homens cuja profissão era, nem mais nem menos, que contar histórias. Contador de histórias, esta era a sua forma de viver. E o povo reunia-se e ouvia aquele homem contar histórias de gente que eles não conheciam, de lugares que nunca viram, de cheiros e de cores tantas e tão diferentes, que a história os tirava do seu mundo e lhes dava muitos outros, tão maiores, tão bonitos ou feios, mas tão longe do seu mundo. E dava aos homens que a ouviam e ao homem que a contava, capacidade de sonhar.
Hoje perderam-se os sonhos e a magia. A televisão trouxe-nos factos e histórias da vida privada, tão chatas e tão mal contadas que o povo vai entretido mas não sonhador. E a televisão não conta histórias dos marinheiros, das prostitutas, dos ricos e dos pobres em forma de lenda e sonho.
A televisão só nos dá pequenas intrigas e muito barulho que, como dizia o Shakesperare, é muito barulho por nada.
E de nada em nada perdem-se as histórias, a magia e o encantamento que a palavra contada nos traz.
Neste tempo de incertezas, preciso de magia, encanto e lenda. Preciso de uma boa história.

Tenho saudades de histórias. Contas-me uma?



terça-feira, 5 de março de 2013

Hipocrisia, essa doença mortal.


O homem é o lobo do homem, citou Hobbes. Hobbes, homem e filósofo, acreditava que o homem é um ser movido por egoísmos e desejos pessoais e, que só por pura sobrevivência da espécie, convive socialmente.
Hobbes não tem uma visão muito positiva sobre a humanidade, isso é certo. E lembrei-me de Hobbes hoje porque alguém me perguntou algo sobre a hipocrisia.
A hipocrisia é uma doença grave, sobre a qual nunca reflecti realmente. Mas depois de ler Hobbes, concluí que a hipocrisia pode ser o tal mecanismo de sobrevivência de que o filósofo falava. E não estou a falar de pequenas mentiras ou outras coisas que se fazem pelo bem-estar da sociedade. Não, isso não é hipocrisia. Hipocrisia é o mais elevado instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, de aniquilação da espécie humana que conhecemos. A hipocrisia, quando bem aplicada, exclui um membro da tribo para toda a vida. A hipocrisia, quando bem aplicada, é mortal. E a hipocrisia, porque é sempre camuflada, é difícil de detectar.
Mas deixa rasto. É a beata, pregadora do bem, e difusora ambulante dos maiores boatos, mentiras e conspirações. É o pai de família, católico e conservador, homossexual. É o pai e mãe de família, pilares da sociedade local, pedófilos. É o grande militante comunista, o maior forreta com os que mais precisam. É a senhora que segura bandeiras contra o aborto e que já fez cinco (visto ao vivo, em 1998, na RTP 1). É a menina bem comportada, um verdadeiro modelo, viciada em heroína. São as pessoas que não falam da vida dos outros, "porque a vida dos outros não me interessa" mas não se calam sobre esse assunto. São as pessoas que odeiam madeixas e unhas pretas até estarem na moda e todos as usarem. São as amigas do coração que nos envergonham (não propositadamente claro!) em público.
Poderíamos continuar a escrever sobre este assunto durante horas. Porque todos nós já fomos vítimas ou perpetuadores de hipocrisia. Ou fomos ambos. E, no nosso pequeno país, durante tento tempo enclausurado numa ditadura em que não podíamos pensar, os nossos mecanismos de hipocrisia aperfeiçoaram-se. O que me intriga é que passados 30 anos de liberdade, a mesma hipocrisia renovou-se a tornou-se mais acutilante.
Se o homem é o homem do lobo, então a hipocrisia é a sua melhor arma.
Mas talvez fosse tempo de deixarmos o nosso lado animal de lado e nos tornarmos o homem que é amigo do homem. Que seja tempo de mais homem e menos lobo.
Ora, quem é que eu quero enganar? Isso é pouco possível de acontecer. Não sejam hipócritas!

O homem é o lobo do homem.
Plauto, citado por Hobbes in Leviatan

domingo, 3 de março de 2013

Muito perto do fim.



Foi a última manifestação pacífica, quase de certeza. Ontem ainda se cantou. Ontem ainda se pediu. Ontem ainda se teve esperança.
Ontem Eu e meio milhão de portugueses estivemos lá. Ouvimos relatos de gente de bem sem dinheiro para comer. Ouvimos gente com valor a despedir-se do País. E ouvimos as nossas próprias histórias, todos nós tocados por maus empregos ou nenhuns empregos. Por dívidas bancárias. Por dívidas às finanças. Vítima de uma justiça lenta e que protege apenas quem tem dinheiro para continuar, on e on, até à prescrição dos processos.
E vimos muita, muita gente a chorar. Quando se cantou a Grândola,lágrimas de profunda tristeza foram choradas  por um País que estava a tentar Ser e , mais uma vez, o caminho foi-lhe cortado.
Os melhores jovens, os melhores velhos. Os funcionários públicos. Os médicos. Os pequenos empresários. Gente que dá empregos e empurra a economia para a frente. Gente que trabalhou uma vida inteira e agora se vê sem dinheiro para comer.
Estava lá toda a gente. Pobres, os ainda ricos, os de esquerda e muita gente de direita.
E o que se pedia? Dignidade. Uma justiça que funcione. Baixa de impostos. Havia até quem pedisse a rápida introdução das bolsas de terra porque querem trabalhar na agricultura. Gente com e sem canudo, dispostos as pôr as mãos na terra pelo seu país. E assobiaram-se bem altos os bancos que levaram (e levam) este país à destruição.

Ontem pediu-se o mínimo. Pediu-se respeito. Mas isso foi ontem. E ontem foi, porque o senti, a última manifestação pacífica em Portugal. E se todos os políticos (todos!) não nos ouvirem, preparem-se porque a Grândola deixará de ser o símbolo da paz e da Revolução. Se não nos ouvirem o cravo de Abril manchar-se-á de sangue.

Ontem, foi o último grito de apelo e esperança. Ouçam-nos.