Vi um filme que não me sai da cabeça," We need to talk about Kevin".
Tradução portuguesa à letra: "Precisamos
de falar sobre o Kevin". Não é minha intenção avaliar o filme nem o
desempenho dos actores, que é extraordinário. O que eu pretendo é que todos nós
debatemos este tema polémico: a possibilidade de os nossos filhos serem absolutamente
horríveis e nós nos apercebermos e nada podermos fazer.
Quando se fala de parentalidade e de filhos, o discurso é
sempre o mesmo: que é a melhor coisa do mundo, que ser mãe ou pai é uma
felicidade sem fim, que as noites sem dormir valem a pena porque o sorriso dos
filhos compensa tudo. Muito bem, discurso absorvido. Agora vamos falar sem
máscaras e sem tabus.
E se não gostarmos dos nossos filhos? E se só tivemos filhos
porque o marido ou a mulher quis? E se os nossos filhos nos odiarem? E se um
deles violar o outro? E se houver incesto? E se o nosso filho for um violador?
Um assassino? E se os nossos filhos forem mesmo uns monstros?
Será que podemos falar sobre isto sem tabus, nem frases
feitas e sem apregoar a imensa felicidade que esta nossa sociedade nos impõe e
nos esmaga?
O que fazer quando o nosso filho viola a vizinha?
Continuamos a gostar dele da mesma maneira?
O que fazer quando o nosso filho é alguém que adora
maltratar os outros? A quem recorremos para falar?
O que fazer quando o nosso filho mata alguém? Perdoamos ou
viramos as costas?
E se eu não gostar do meu filho?
Gostava de uma conversa franca com alguém sobre estas
questões e eu nem sequer sou mãe. Mas sempre me afligiram as verdades
escondidas, sempre vi mães que preferem claramente um filho em detrimento de
outro, sempre me apercebi de pais que têm dúvidas mas não têm ninguém com quem
falar.
Tenho receio de não gostar de um filho meu. Isso faz de mim
uma má pessoa ou uma pessoa consciente?
A nossa mania da felicidade está a deixar-me muito inquieta
e infeliz. E percebo o medo de alguém que tem um filho que não é nada boa
pessoa: com quem vai falar que não o condene pela educação, ou que diga que é
só uma fase, ou que não lhe espete que os filhos precisam é de carinho e amor?
Ninguém, não vai falar com ninguém.
A cultura da felicidade condena-nos ao isolamento e à
artificialidade. Falar dos filhos sem ser com imensurável orgulho e felicidade
está a calar-nos e a tornar tabu coisas de que deveríamos todos falar.
E no meio de tudo isto ninguém fala sobre o Kevin. E nós,
como sociedade precisamos de começar a falar sobre o Kevin. Antes que seja
tarde demais.
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