sexta-feira, 11 de outubro de 2013

4 de Setembro de 2013

Às oito da manhã já estávamos no hospital. Levantamo-nos bem cedo porque ninguém dormiu nessa noite. Há mais de um mês que esperávamos esta cirurgia, mas o medo paralisava-nos. Ou pelo menos dava cabo de mim. A minha mãe é uma mulher estóica, com muita coragem como ela diz. Aguentou as notícias da morte da mãe, do pai  e dos irmãos, foi sempre a ela que a notícia foi dada. Aguentou firme as desgraças de toda a gente e só chorou no momento da despedida. Perante a operação do marido, a atitude manteve-se: aguentou sem um queixume, sem um único abalo. Creio que a minha irmã recebeu de herança o seu caracter estóico, mas eu não. O João Simão, um dos meus anjos na terra, acalmou-me durante as longas horas da operação. Distraiu-me com todas as histórias da sua vida, com as suas glórias e as suas infelicidades e só me largou quando soube que a operação tinha terminado e tudo tinha corrido bem. Nesse dia, naquele hospital, prometi que nunca iria perder o João de vista, porque a gratidão é um bem raro que se deve manter. Quem sabia não nos largou. O Tiago ligava de hora a hora,  a Ângela inundava a minha caixa de mensagens, o Ricardo ligava e a Inês e a sua família estiveram sempre lá. A Sara Capitão, que sabia de tudo porque ela própria é uma lutadora, estava comigo a cada segundo, pedia-me calma mas eu sentia a sua ansiedade. Não sabiamos o que dizer à minha avó, que aguardava pelo telefonema da sua vida: se o filho mais novo tinha ou não sobrevivido. A minha irmã berrava por notícias que não existiam nessas longas seis horas de espera. E só agora me lembro como a minha mãe nunca esmoreceu, nunca falou, nunca desistiu. Deve ser feita de fibras de aço, mas a verdade é que resiste sem alarido.
O meu pai sobreviveu com feridas de guerra, para toda a vida. Mas sobreviveu e saiu ainda mais bonito, ele que sempre foi um homem bonito de quem as minhas professoras falavam em segredo. A beleza do meu pai é como o sol, toda a gente vê e muitas mulheres ficam inebriadas. Nas longas horas nos cuidados intensivos, lembrei-me da minha infância e das inúmeras histórias que me contava para adormecer, coisa que nunca foi fácil. Dormir sempre se revelou um problema, desde a infância até aos dias de hoje. Lembrei-me de muitas coisas mas sobretudo pensei que se a sua viagem acabasse ali ia sentir muita falta de discutir com o meu pai. Temos o mesmo feitio, quando fazemos faísca o mundo altera a sua órbita.
Mas sobretudo percebi como a vida é frágil e uma dádiva que inevitavelmente terminará. E, nesta confusão de horas, notícias e sentimentos percebi que a dor de perder alguém é insuportável, mas que a vida de cada um é uma pequena prenda que só usamos durante algum tempo. E que nos cabe a nós perceber que na brevidade da vida, cabem todos os amores, dores e paixões, que a nossa  vida vai terminar tal como termina a de quem amamos. Por isso, eu sei cada vez mais que tudo passa, tudo passará, menos o amor, porque esse é construído de afectos, de histórias boas e más, e de momentos inesquecíveis.
Esse perdura para lá da nossa vida, da nossa breve existência. Porque tudo passa, menos o amor.



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