A ciência é a nova fé de muitos que se consideram, como eu,
gente do século XXI. Acredito na razão, nas explicações científicas, em
fenómenos naturais. E, inocentemente, acreditava que todos pensavam como eu.
Que isto dos tarots até tem piada mas
é uma vez. Que aquela amiga que lê as mãos o faz por graça. Que as pedras são
uma coisa gira para se ter na carteira até se perderem. Eu pensava que todos
pensavam como eu nestes assuntos. Que mais ninguém acreditava em bruxas e
bruxarias. Mas foi só começar a puxar o novelo, e pouco a pouco as cartas
caíram tal como a minha estupefacção. Que
aquela amiga acertou nisto e naquilo. Que a doença foi curada. Que desde que
começou a ir "lá "as coisas melhoraram. Que há gente que nos quer
mal. Que ele parece que está enfeitiçado. Brinca ,brinca, mas nunca se sabe.
Eu não acredito porque não quero acreditar. E não quero
acreditar porque dar apenas a hipótese
de acreditar no sobrenatural, na
magia, no que lhes quiseram chamar, pode me levar para longe da minha
verdadeira crença: a humanidade, o ser humano, com tudo o de bom e com tudo de
mal.
Eu não acredito porque no caminho do imaterial está sempre
presente a pequena e a grande inveja, os
jogos de poder, as nossas incapacidades de aceitar que o nosso amor gosta de
outro alguém e que eventualmente todos
vamos morrer, seja tarde ou cedo, agora ou depois.
Compreendo e aceito a dor imensa que é lidar com tudo isto.
Existem momentos em que ter de lidar com a dor nos consome, que admitir que
vamos perder alguém é demasiado para nós,
que angústia de só termos um presente para viver e um futuro que é
sempre incerto nos toma conta da razão e da emoção. Tão bom que era conhecer
toda a história para a podermos mudar e, quem sabe, acrescentar finais felizes.
E aceito que no meio da dor, quando a ciência já não dá
respostas, só a fé em algo torna possível a sobrevivência de nós. Mas sei, que
nada mais há que a vida nas suas imensas dimensões: amor, ódio, raiva,
desespero, esperança.
E não condeno que se busquem soluções desesperadas
para situações angustiantes. Mas entre o procurar “algo” no desespero e viver o
dia-a-dia acreditando que nos fazem mal, que o nosso amor se foi embora não por
nós mas por feitiço, é colocarmos as nossas capacidades reais e humanas em
muito boa conta. E de pequena ilusão em pequena ilusão, trilhamos um caminho
sem retorno. Procuramos sempre outros culpados para as nossas histórias e novas
soluções para os nossos problemas. E para a nossa ignorância, não há magia que
nos acuda.Goethe
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