quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os que partem!

Mais um a partir. Tem sido assim, quase todos os meses: mais um amigo que parte. Mais um familiar que decide que já chega de pobreza e volta para o país que pensava já ter deixado de vez. Novos e velhos emigram todos os dias. Emigram os analfetos, os com pouca escolaridade e os mais bem preparados de sempre, muitos com mestrados e doutoramentos.Partem todos.
O aeroporto de Lisboa deixou de ser local de partida para férias felizes e aventuras desejadas noutros locais do mundo, para se tornar cemitério de afectos com muitas lágrimas de despedida.
A minha emigração não é a mesma dos meus pais, dos meus tios e dos meus avós. Os que agora partem levam no coração o país que os viu nascer mas  Portugal já não será o país onde se vem morrer. Parte-se sem vontade de algum dia regressar, de construir a sua casa na terra. Parte-se sem esperar um ano inteiro por aquele querido mês de  agosto porque " vale mais um mês aqui que um ano inteiro lá", como cantava Dino Meira. Parte-se sem volta. O país que os receber será o país que os verá crescer, viver e morrer. E será esse país que fará os muitos portugueses  felizes porque lhes dará o que Portugal não deu: um futuro.  Portugal será só uma memória algumas vezes risonha, algumas vezes triste mas sempre distante.A saudade do bacalhau e dos pasteis de nata baterá à porta muitas e muitas vezes mas a alegria da moamba e dos peixes fumados do país que agora é deles ,atenuará as lembranças daquele país com sol, com mar e com imensas potencialidades sempre prometidas e nunca cumpridas.
Talvez o fado de Portugal seja esta eterna ausência de esperança. Acreditamos no que poderemos ser mas nunca somos.E como nunca somos, novos mares, novos rios, novas terras nos abraçam. E pouco a pouco ficará ainda mais vazio  este país desertificado de onde os velhos têm de sair e os mais novos não querem voltar.E pouco a pouco, todos partem.


Onde me levas, rio que cantei

Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me leva?, que me custa tanto.
Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.

Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.

Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca. 
Eugénio de Andrade in As Mãos e os Frutos

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