Mais
um a partir. Tem sido assim, quase todos os meses: mais um amigo
que parte. Mais um familiar que decide que já chega de pobreza e volta
para o país que pensava já ter deixado de vez. Novos e velhos
emigram todos os dias. Emigram os analfetos, os com pouca escolaridade e
os mais bem preparados de sempre, muitos com mestrados e
doutoramentos.Partem todos.
O aeroporto de Lisboa deixou de ser
local de partida para férias felizes e aventuras desejadas noutros
locais do mundo, para se tornar cemitério de afectos com muitas lágrimas de
despedida.
A
minha emigração não é a mesma dos meus pais, dos meus tios e dos meus
avós. Os que agora partem levam no coração o país que os viu nascer mas
Portugal já não será o país onde se vem morrer. Parte-se sem vontade de algum dia regressar, de construir a sua casa na terra. Parte-se
sem esperar um ano inteiro por aquele querido mês de agosto porque "
vale mais um mês aqui que um ano inteiro lá", como cantava Dino Meira.
Parte-se sem volta. O país que os receber será o país que os verá
crescer, viver e morrer. E será esse país que fará os muitos portugueses felizes porque lhes dará o
que Portugal não deu: um futuro. Portugal será só uma memória algumas
vezes risonha, algumas vezes triste mas sempre distante.A saudade do
bacalhau e dos pasteis de nata baterá à porta muitas e muitas vezes mas a
alegria da moamba e dos peixes fumados do país que agora é deles
,atenuará as lembranças daquele país com sol, com mar e com imensas
potencialidades sempre prometidas e nunca cumpridas.
Talvez
o fado de Portugal seja esta eterna ausência de esperança. Acreditamos
no que poderemos ser mas nunca somos.E como nunca somos, novos mares,
novos rios, novas terras nos abraçam. E pouco a pouco ficará ainda mais
vazio este país desertificado de onde os velhos têm de sair e os mais
novos não querem voltar.E pouco a pouco, todos partem.
Onde me levas, rio que cantei
Onde me levas, rio que cantei,
esperança destes olhos que molhei
de pura solidão e desencanto?
Onde me leva?, que me custa tanto.
Não quero que conduzas ao silêncio
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.
Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.
Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca.
duma noite maior e mais completa.
com anjos tristes a medir os gestos
da hora mais contrária e mais secreta.
Deixa-me na terra de sabor amargo
como o coração dos frutos bravos.
pátria minha de fundos desenganos,
mas com sonhos, com prantos, com espasmos.
Canção, vai para além de quanto escrevo
e rasga esta sombra que me cerca.
Há outra fase na vida transbordante:
que seja nessa face que me perca.
Eugénio de Andrade in As Mãos e os Frutos.
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