terça-feira, 27 de outubro de 2015

Porque não podia ser de outra maneira.



Porquê a política Marisa? Porquê agora? Não estás farta? O teu partido agora vai fazer o quê? Ainda andas nisso? Mas "isso"  agora é todos os fins-de-semana? 

São estas as perguntas seguidas e repetidas numa cadência quase igual e quase diária. Porquê agora, mulher de 35 anos, que podias ter uma vida tão calma e tão familiar e que agora, porquê agora, andas metida “nisso”? Porque não pode ser de outra maneira, porque tentei de todas as formas adaptar-me ao que os outros esperavam de mim e vivi na ilusão de que esta ansiedade de mudar o mundo passasse. Mas não passou e a gente que passa por mim é a gente que que eu também sou. E  a gente que  passa por mim é também  aquilo que eu vivi e não consegue não intervir, não pensar e não agir. O preço a pagar é caro e continua a ser caro porque poucos percebem “isto”  no meu país ainda tão pequenino onde as fotos dos filhos, do marido e da família são a ocupação primordial e total de mulheres como eu. E querer mais do que uma família ou um emprego bem remunerado ou, pior!, deixar tudo isto em nome da política que não me dá emprego mas só chatices, que não me dá fama mas só discussões, é querer o direito a respirar plenamente. A intervir. A ouvir e a ser ouvida. Ter voz e deixar que a voz dos outros flua. Debater à esquerda e à direita. Querer que a democracia não passe por mim mas eu também faça parte da democracia. Seja qual for o preço a pagar a liberdade de pensar, agir e intervir não tem preço. Não tem.


Esta Gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"


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