A vitória do Syriza agitou
esta semana que passou. Nas redes sociais percebia-se claramente quem era de
esquerda e quem era de direita. Os da esquerda saudavam a vitória do Syriza e
da democracia e criticavam o facto de não existirem mulheres no governo
enquanto os da direita alertavam para o fim do mundo e da loucura que se estava
a passar na Grécia.
Fui analisar as profissões
dos meus conhecidos de direita e de esquerda. A maioria dos que se declaram de
direita são funcionários públicos, professores ou empregados por contra de
outrem. Na generalidade, todos eles auferem dos direitos sociais conquistados
pela esquerda nos últimos dois séculos, o que não deixa de ser curioso.
Mas mais curioso ainda é
perceber que grande parte dos meus conhecidos de esquerda são trabalhadores
independentes ou freelancers que defendem os direitos sociais que não possuem
mas não desarmam na defesa do Estado Social. E isto deixou-me a pensar, não na importância
do Estado Social ou na sua defesa, mas porque é que pessoas que não usufruem do
Estado Social o defendem e porque é que o Estado Social não chega a todos. Para
que o Estado Social chegue a todos devemos lutar para que todos se tornem
empregados por conta de outrem? Aparentemente sim. Estamos contra os falsos
recibos verdes, o que é justíssimo. Mas um verdadeiro recibo verde, um
profissional freelancer que trabalha quando o trabalho surge, porque é que esse
não tem direito ao Estado Social? Num mundo em Mudança, prevê-se que em 2050,
46% dos empregos sejam de criação própria. Então deixamos 46% dos empregos fora
do Estado Social?
Existe algo aqui que
transcende a lógica. Defender o Estado Social é defender os direitos dos
trabalhadores contra a lógica do grande capital, certamente. Mas defender o
Estado Social é também entender que o mundo mudou e temos novas formas de
trabalho, de emprego. Contudo não temos direitos sociais adequados. E eu
continuo a perguntar porquê?
Um exemplo concreto. Os
actores. A maioria dos actores defende o Estado Social, a maioria dos actores é
de esquerda. E a maioria dos actores nunca teve nem nunca terá um contrato de
trabalho permanente ou que lhes permita auferir do subsídio de desemprego. Mas
são a classe que, sem medo, dá o corpo e a cara pela Esquerda. Mas a verdade é
que a Esquerda não o faz por eles. E porquê? Porque é que um actor, um recibo
verde por excelência, tem de descontar 720 dias para ter direito ao subsídio de
desemprego e um empregado por conta de outrem 360 dias? Isto não nos deve
indignar? A mim indigna-me. Porque é que um recibo verde não pode auferir ao
subsídio de desemprego pelo valor descontado mas apenas pelo tempo de trabalho,
quando sabemos que o freelancer pode receber 10mil euros num trabalho e ficar
seis meses sem facturar nada? E porque é que nós esquerda não falamos disto?
A resposta é simples. A
esquerda tem os seus tabus. Os seus medos. Os seus enclaves que não ultrapassa.
No entanto existe um novo mundo e novas formas de trabalho e por isso a
esquerda tem de abraçar todos e todas que vivem do seu valor profissional e que
querem não apenas uma vida digna mas uma vida cheia de coisas. A esquerda não
pode ter vergonha de desejar uma casa, um ipad, livros, roupa bonita,
maquilhagem.
A esquerda tem de assumir que todas estas
realidades existem e que temos de lhes dar uma resposta justa, tão justa como a
que damos para quem vive das formas de trabalho mais clássicas. Nem mais nem
menos. E por isso apelo para que derrubemos os nossos tabus, para que olhemos
para toda esta gente que é de esquerda mas não tem direitos. Para que a
esquerda assuma que não tem mal nenhum em ser feliz sem patrões e sem ser
empregado por conta de outrem. Para que a esquerda se veja a si própria como
micro ou pequeno empresário sem qualquer problema.
Sem tabus porque esta é
uma realidade que existe e que nós precisamos, em consciência, de lhe dar uma
resposta, de falar dela, de lutar por ela. Porque como disse Marx, que eu ouvi
dizer que era um homem de esquerda, não é a consciência do homem que lhe
determina o ser mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a
consciência.
Obrigado
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